Ponto de vista da Zoe.
Eu resmunguei ao acordar, com o sol entrando pela fresta da cortina e me despertando do meu sono. Sentei-me e esfreguei meus olhos sonolentos, colocando meus cabelos escuros e embaraçados atrás da orelha, enquanto observava meu minúsculo apartamento. Eu não tinha muito dinheiro e morava sozinha, mas, como estava sempre viajando, não precisava de um lugar grande, principalmente porque mais ninguém morava lá comigo.
Olhando em volta, prestei atenção aos detalhes do meu quarto. Meus lençóis pretos pareciam mais finos, em virtude do calor que emanava do meu corpo, mais quente do que o normal. Os lençóis cobriam a cama de casal, que estava encostada contra a parede. Não havia fotos em nenhum lugar, e as prateleiras estavam cheias de livros ou papéis, que também estavam espalhados pelos cômodos da minha casa. Eu me levantei e me espreguicei, e um gemido saiu de meus lábios irregulares quando senti meu ombro estalar deliciosamente.
Eu imagino que você deva estar se perguntando quem eu sou, então vou me apresentar. Meu nome é Zoe Greenwoods, tenho 17 anos e moro sozinha desde que fui expulsa de casa aos 12 anos. Eu sei o que você está pensando: que tipo de pai e mãe expulsaria sua filha e a deixaria sem teto com apenas 12 anos de idade? Bem, os meus pais fizeram isso, mas explicarei o porquê mais tarde.
Quanto à minha aparência, posso dizer que sou mais alta do que a maioria das meninas da minha idade. A minha altura permite que eu me eleve sobre a maior parte das pessoas que me irritam – o que, admito, não é difícil de acontecer. Eu sou morena e tenho cabelos longos e cacheados. As cores dos meus cachos grossos variam de preto a castanho-claro e escuro, misturadas com mechas vermelho-vivo, que se entrelaçam às outras mechas do meu cabelo. Meu cabelo comprido vai até o meio das costas, caindo em cachos naturais quando passo uma escova nele. Meu corpo é perfeitamente torneado, graças ao meu hábito de correr; isso significa que eu estou em boa forma e excelente condicionamento físico. Eu uso sutiã de tamanho C, algo de que eu sempre me orgulhei. E, embora eu não estivesse interessada em ter nenhum relacionamento, estava feliz e confiante em relação ao meu corpo, para quando estivesse pronta para me relacionar com alguém.
Voltando ao fato de eu ter sido expulsa de casa quando era mais nova, sei que você está morrendo de curiosidade para descobrir o motivo. É uma pena que não seja uma história feliz, mas o que esperar quando se trata de uma criança indesejada na família? Sabe, eu sou uma mulher lobisomem, mas eu prefiro metamorfa, mas fique à vontade para me chamar do que achar melhor. Na verdade, eu sou filha de um alfa, um ser muito conhecido de nossa espécie, infelizmente.
Também tenho uma irmã mais velha e um irmão mais novo, que não vejo há anos. Sabe, um alfa deve ser um macho, alguém capaz de assumir o comando e liderar o grupo com sua companheira ao seu lado. Machista, eu sei, mas é uma tradição. Então, sabe, quando minha minha mãe ficou grávida da minha irmã Stacy, meus pais ficaram decepcionados, mas, por ser a primeira da prole, eles a adoravam e a mimavam muito. Na minha opinião, porém – e tenho certeza de que muitos outros pensam assim também –, ela é uma v*dia de marca maior, que acredita ser melhor do que todo mundo e anda sempre de nariz empinado.
Depois, minha mãe engravidou de mim. Eles se referiam a mim como a decepção familiar, quando eu ainda morava com eles na alcateia. Eles me odiaram desde o momento em que nasci. O fato de eu ser apenas mais uma mulher significava que eles nunca me viram como filha deles, mas, sim, como um erro. Por conta disso, fui sempre tratada como um escrava. Assim que comecei a andar, eles me batiam para que eu fizesse o que me mandavam. Piorou à medida que fui crescendo. Eu tinha tanto trabalho a fazer que não tinha tempo para fazer amigos ou ter qualquer interação positiva com os outros. Minha irmã era a pior! Ela me odiava com todas as forças, já que ela era a princesinha da família, enquanto eu era apenas um aborrecimento que tirava a paz dos meus pais.
Quando meu irmão Matt nasceu, as coisas pioraram para mim, mas melhoraram para a família. Eu amava meu irmão e nos dávamos muito bem, ele era o único que eu considerava família, e até hoje mantemos contato por mensagem de texto e telefone. Nunca disse a ele onde estava ou para onde estava indo, mas éramos felizes. Sabe, quando meus pais o tiveram, ele seria o menino que lideraria o bando – e então eles pensaram que finalmente tinham a família perfeita: um homem para assumir tudo e uma filha que poderia se transformar. Então, como eu era a ovelha negra da família, fui literalmente expulsa de casa um dia, quando os vizinhos não estavam olhando.
Quando eu disse que eles estavam felizes que Stacy pudesse se transmutar, eu quis dizer exatamente isso: uma metamorfa mulher era algo extremamente raro no mundo sobrenatural, e ainda é. Ter o gene de transmutação não tem nada a ver com sangue, genética ou com quem são seus pais, desde que pelo menos um deles seja um lobisomem. Ser uma metamorfa mulher era mais uma questão de destino do que qualquer outra coisa; era pura sorte quando uma menina crescia e descobria que tinha o gene para se transformar.
Ninguém sabia, porém, que, quando eu tinha apenas 5 anos, eu me transformei pela primeira vez – e não com 16 anos, como acontece com a maioria das meninas. Eu estava sentada na floresta, como normalmente fazia quando isso acontecia. Eu não contei nada a ninguém, pois eu não queria que eles soubessem, já que eu me ressentia deles desde sempre. Nem mesmo meu irmão sabia. Depois que saí de casa e continuamos mantendo contato – algo de que nossos pais não tinham conhecimento, segundo ele –, na verdade não sabíamos muito um do outro e de nossas vidas. Era mais uma ligação ou uma mensagem de texto para garantir que o outro estivesse seguro e vivo.
Então, quando fui expulsa de casa, não gritei e não chorei. Simplesmente saí para viver minha vida como uma nômade. Meu irmão disse que meus pais contaram a todos que eu havia fugido e que eles tinham tentado me procurar, mas sem sucesso. Mentirosos malditos! Como ousam mentir desse jeito?!
Eu era uma loba muito rara, uma loba branca pura. As únicas partes com cor em meu pelo grosso eram as pontas pretas das minhas orelhas, a ponta inferior da minha pata direita e a ponta da minha cauda. Eu não sabia se eu era a única loba branca; sabia apenas que os lobos brancos eram considerados menos comuns do que os lobos pretos ou marrons.
Levantei-me da cama e rapidamente tomei um banho. Em seguida, passei uma escova pelo meu cabelo, deixando-o secar ao ar livre. Aproximei-me de onde ficavam as minhas roupas e peguei uma calcinha azul-clara e um sutiã para segurar meu peito. Pensando no que vestir para o meu primeiro dia de aula, decidi colocar uma roupa simples, não querendo me destacar, já que, na verdade, eu nem queria ir à escola.
Não eram apenas os humanos que tinham leis – nós, os lobos, também tínhamos. Eu já estava sabendo, por meio de outros renegados que havia encontrado por aí, que agora era obrigatório frequentar a escola de lobos mais próxima. Eu odiei a novidade! Sabe, embora quase nenhuma fêmea pudesse se transformar, elas ainda tinham algum DNA de lobisomem e, portanto, tinham sentidos um pouco melhores do que os humanos, como a velocidade e outras coisas. Além disso, eram mais fortes e capazes de se curar um pouco mais rápido também. Não tanto quanto um metamorfo, claro, mas o suficiente para que pudessem gerar um metamorfo masculino ou feminino com um companheiro masculino.
Suspirando, senti minhas sobrancelhas enrugadas. Escolhi um top azul royal, com os ombros à mostra, uma calça jeans skinny preta e tênis all star converse. Eu não usei nenhuma maquiagem, exceto um pouco de rímel para realçar meus olhos cor de esmeralda e um pouco de brilho labial.
Quando olhei para o relógio, meus olhos se arregalaram ao perceber que estava atrasada. Peguei minha mochila com livros, que havia preparado na noite anterior, e coloquei uma maçã na minha bolsa junto com meu telefone, antes de correr para o ponto de ônibus.
Tive que esperar cerca de 15 minutos antes de o ônibus aparecer. O cheiro de outros renegados imediatamente preencheu meus sentidos, enquanto eu pagava minha passagem e entrava no ônibus.
Examinei os rostos rapidamente, vendo mais lobisomens do que esperava – todos eles homens, claro. Outra coisa que dificilmente se ouvia falar era de uma metamorfa feminina vivendo como nômade. Era uma sorte incrível para um lobo macho ter uma metamorfa como companheira, pois isso produziria um filhote mais forte. No meu caso, com meus pais sendo lobos e com o sangue alfa no meu corpo, eu tinha sentidos mais apurados, não só porque meu lado loba era maior, mas também pelo fato de que eu era muito mais poderosa do que a maioria dos renegados que eu havia conhecido. Eu tinha como missão ficar longe das alcateias e consegui, até que essa nova lei surgiu.
Ignorando os olhares chocados e atordoados dos outros metamorfos masculinos, sentei-me na frente do ônibus e coloquei meus fones de ouvido enquanto me distraía com uma música. Fechei os olhos e deixei a música correr por mim, pensando em como o dia seria ruim. Não era segredo que as alcateias odiavam os renegados. A menos que se tornassem o companheiro de uma de suas fêmeas, eles eram tratados como uma ameaça constante. Eu não os culpava por pensarem assim, afinal, eu poderia ser totalmente cruel em minha forma de lobo. A quantidade de renegados selvagens que encontrei pelo caminho e tive que derrubar deixava claro que eu era uma predadora em todos os sentidos. Eu poderia derrotar vários oponentes com facilidade e, se eu não tivesse a capacidade de me recuperar tão rapidamente, a essa altura eu pareceria um personagem de filme de terror.
Suspirei de novo e percebi que estava fazendo muito isso ultimamente, pois podia sentir e ouvir as fofocas ao fundo. Eles sabiam que eu tinha sangue metamorfo em mim, mas não que eu era um lobisomem. Sabe, eu também aprendi a mascarar o meu cheiro, atenuando-o para que eu pudesse parecer apenas uma mulher normal de uma família metamorfa, pois isso tornaria as coisas mais fáceis. Eu não queria a confusão ou os sussurros que viriam se todos soubessem que eu poderia me transformar.
Sem perceberem que eu conseguia ouvir toda a conversa, já que minha audição era tão boa quanto a deles, eles continuaram a falar sobre mim. Não que eu me importasse, já que esse tipo de coisa realmente não me incomodava tanto quanto incomodaria outras pessoas. Geralmente, e falando com toda honestidade, eu não me importava com o que diziam sobre mim, pois sabia que poderia derrubá-los rapidamente, mesmo que levasse algumas mordidas e derramasse alguma lágrimas ao fazê-lo. Eu tinha enfrentado coisa muito pior do que os cinco deles juntos; eles não eram mais perigosos do que um grupo de nômades perversos que não queria nada além de sangue.
Quando senti o ônibus parar, abri meus olhos e olhei para fora. Observei os outros renegados saindo dos ônibus, enquanto a alcateia dona da terra olhava para eles com desprezo. Eu mantive uma expressão neutra, apenas notando como todos os renegados eram masculinos, o que realmente não era uma surpresa.
Foi quando vi um jovem renegado sair e imediatamente trocar olhar com uma pequena morena. Nesse momento, percebi que minha expressão suavizou enquanto os observava. Seus rostos adquiriram um olhar de pura adoração enquanto se olhavam. O macho, que não seria mais considerado um renegado, correu em direção à fêmea, que pulou em seus braços. Era o conto de fadas perfeito. A alcateia vibrava e dava parabéns aos dois.
Eu sabia que, no fundo, se algum dia encontrasse minha alma gêmea, isso não aconteceria tão facilmente. Eu simplesmente não tinha tanta sorte, embora uma garota sempre pudesse esperar seu próprio final feliz…